Será que sou bipolar?


Sexta principal causa de incapacitação no mundo, o Transtorno Bipolar do Humor requer diagnóstico correto, tratamento adequado, e não pode ser confundido com alterações normais do comportamento frente às demandas da sociedade moderna
Por Swellyn França


Há quatro anos, Carolina* foi diagnosticada com o chamado Trans­torno Bipolar do Humor (TBH). Ela conta que apresentava alterações bruscas de temperamento: ia do êx­tase à tristeza profunda em questão de minutos "Às vezes me encontra­va numa fase bem agitada e bastava ouvir, ver ou sentir algo que me de­sagradasse muito que já vinha aquela vontade imensa de começar a chorar por todos os desastres do mundo - até os que nem eram meus ou jamais me afetariam. Parava de comer, não que­ria sair ou atender ao telefonema dos meus amigos. Isso durava semanas."
De acordo com a Psiquiatra, Psicofarmacologista e Terapeu­ta Cognitiva, Giuliana Cividanes, o Transtorno Bipolar é uma' doença psiquiátrica que se manifesta pela presença de duas fases distintas de alterações do humor em um mesmo paciente. "Uma das fases é a de­pressão, caracterizada por tristeza ou falta de interesse; alterações do apetite (geralmente perda da von­tade de se alimentar); insônia; pen­samentos negativos a respeito de si, do mundo e do futuro; lentidão do pensamento; falta de energia e sensação de fadiga o tempo todo; isolamento social, entre outros."

A Psiquiatra explica, no entanto, que esses sintomas devem ser inten­sos o suficiente para interferir nas ati­vidades cotidianas da vida da pessoa e durar pelo menos duas semanas,

com as manifestações ocorrendo to­dos os dias, o dia todo. "Geralmente, a depressão bipolar dura meses e é de difícil tratamento e cura, muitas vezes, com pensamentos suicidas. Ela pode ocorrer antes ou depois de um episódio de mania."

A mania - hoje em dia chamada de euforia - é o outro quadro de alte­ração do humor que ocorre no indiví­duo com TBH. Até por isso, a doença também é conhecida como psicose maníaco-depressiva. "É um período distinto de alteração do tempera­mento no qual o paciente começa a ficar muito agitado, sente uma pro­fusão de energia invadir o seu corpo, os pensamentos passam a correr em sua mente, ele sente como se fosse muito inteligente e tivesse diversas novas idéias. Estas idéias começam a se interligar e assuntos parecidos podem levar ao surgimento de novas informações, até que o discurso fica tão confuso que é difícil para um ob­servador compreender o que a pessoa está falando, embora para o próprio indivíduo tudo pareça estar absoluta­mente claro.

Nessa fase do transtorno, o portador de TBH tende a ser muito falante, vestir-se de forma exube­rante, muitas vezes é inadequado na forma de se comportar e abordar outras pessoas; pode ficar irritadiço e agressivo. Tem propensão ainda a envolver-se em atividades perigosas, pois se sente especial e indestrutível, pode colocar-se a consumir (fazer compras) desenfreadamente e apre­sentar uma maior desinibição sexual", detalha Giuliana.
O episódio de mania pode começar lento e ir se intensificando. A terapeuta salienta que esses sintomas devem durar pelo menos uma semana para que se caracterize como mania e, consequentemente, possa ser feito , o diagnóstico de TBH. "A diferença entre o TBH tipo l e II é que no tipo II os sintomas de mania são mais leves, o que chamamos de hipomania."  Segundo dados da Organização Mundial de Saúde (OMS), o Transtor­no Bipolar é a sexta principal causa de incapacitação no mundo. Estima­tivas indicam que um indivíduo que desenvolve os sintomas da doença " aos 20 anos de idade, por exemplo, pode perder nove anos de vida e 14 anos de produtividade profissional.

A  Associação   Brasileira   de Transtorno Bipolar (ABTB), calcula que de 1,8 milhão a 15 milhões de brasileiros sejam portadores da doença, nas duas formas de apresentação (tipos l e II) e constata que 50% dos pacientes com o trans­torno tentam suicídio ao menos uma vez e 15% efetivamente o cometem. "Não cheguei a tentar suicídio, mas durante as crises e com pensamentos desconexos até cogitei a possibilidade. Minha sorte foi ter buscado ajuda profissional o quanto antes", ressalta Carolina.
O aumento do risco de suicídio nessa população, conforme a Psiquia­tra, é inerente ao próprio transtorno. "Assim como há um risco aumenta­do para portadores de depressão e de outros transtornos mentais, como a esquizofrenia, o tratamento ade­quado muitas vezes poderia prevenir o suicídio nessa população que tem um risco aumentado. Então, poderíamos dizer que, de forma indireta, o tratamento inadequado também contribui para o número de tentativas e de suicídio", observa Giuliana.   '

Tratamento é farmacologico, terapêutico e requer deixar de lado o preconceito

Embora o tratamento indicado  para o TBH seja prioritariamente farmacológico e feito por um Psiquiatra, a associação de medica­mentos com psicoterapia respon­dem por grande parte dos sucessos, uma vez que auxiliam no conheci­mento, avaliação e autocontrole do indivíduo. Há diversos tipos de te­rapias: cognitivo-comportamental; familiar; em grupo; interpessoal e social; psicoeduação etc.

Em relação aos medicamentos, além de estabilizadores de humor, o especialista pode utilizar antidepressivos ou drogas que controlam a ansiedade e problemas com delí­rios e alucinações. Com o uso destes remédios, as consultas ao Psiquiatra para controle de efeitos colaterais e para os ajustes de dosagens são muito importantes.
A Terapeuta também alerta sobre o risco de interações medica­mentosas em todos os pacientes que se tratam com mais de um especia­lista da área da saúde e tomam dife­rentes categorias de medicamentos. "Sabemos que as interações medica­mentosas são responsáveis por au­mento de morbidade e mortalidade nos  indivíduos polimedicados.  Os pacientes portadores de TBH, em sua maioria, são polimedicados. Dessa forma, sempre que forem subme­tidos a qualquer outro tratamento estes riscos devem ser avaliados"

Carolina  comenta  que  cerca de três meses depois do início da medicação  teve  diversas  reações desagradáveis. Os remédios foram trocados e só depois de um tempo as doses começaram a ser diminuí­das. "Depois do diagnóstico, busquei métodos alternativos para minimizar as alterações de humor, como medi­cina alternativa e exercícios físicos, além de fazer todas as atividades cotidianas nas quais me sentia bem: cinema, encontro com amigos, ouvir música, passear em parques etc. Com o conhecimento do problema, o me­dicamento, muita dedicação e, prin­cipalmente, a compreensão por parte das pessoas que estavam próximas, o resultado foi muito positivo".

Para a Psiquiatra, tudo o que foge da compreensão humana ou que se diferencia do padrão social gera preconceito. E este é o caso dos transtornos mentais. "Porém, deixar de se tratar devido ao preconceito é um grande prejuízo para o indivíduo. Com certeza a família sofre, a sociedade sofre, o sistema de saúde sofre quando uma pessoa abandona o tratamento, mas quem mais sofre é o próprio paciente. O que posso dizer é que hoje existem tratamentos efe­tivos, que mantêm a estabilidade e possibilitam uma vida normal à pes­soa. Que todos possam ter o precon­ceito, menos o próprio paciente, pois se ele tiver preconceito dele mesmo e negar que possui a doença e não se tratar de forma adequada, ele será o maior prejudicado", esclarece.

Carolina concorda: "A princípio, o diagnóstico me assustou.Tive um sen­timento de rejeição de mim mesma. Mas a constatação passou a ser extre­mamente importante para direcionar minhas atitudes e comportamentos, a fim de evitar o que me desagradava e buscar pelo meu bem-estar."

É preciso rever os conceitos

O destaque dado ao Transtor­no Bipolar pela mídia nos últimos tempos, inclusive, pelo fato de grandes celebridades se assumirem com o problema (Catherine Zeta-Jones, Demi Lovato, Cássia Kiss, en­tre outros) tem causado certa con­fusão entre os leigos que, ao menor sinal de instabilidade de humor, se consideram ou definem uma outra pessoa como bipolar.

O TBH é uma doença multifatorial. O que determina se um indivíduo terá ou não o problema é principal­mente a hereditariedade. Além disso, questões ambientais e psicológicas (chamados de elementos estressores) podem facilitar as primeiras crises e são fatores importantes no desencadeamento de manifestações futuras.

"Hoje em dia 'ser bipolar' virou moda. Acho que existe um super diagnóstico do transtorno, ou seja, casos que não são TBH sendo diag­nosticados como tal. A agitação das grandes cidades, o consumismo, o capitalismo e suas necessidades de competição, enfim, uma série de de­mandas do mundo moderno levam as pessoas a ficarem mais irritadas, impacientes e intolerantes, bem corno, menos motivadas, cansadas e desestimuladas Trata-se de situ­ações dinâmicas, que muitas vezes são diagnosticadas como sendo um transtorno mental. Talvez porque seja mais fácil tomar um remédio do que rever nossas vidas e nossas escolhas", conclui a Psiquiatra Giuliana.
Basicamente, há três características que diferenciam um possível TBH de uma alteração normal do humor:
Intensidade: alterações de humor que ocorrem no TBH  são  normalmente  mais severas do que as oscilações normais de temperamento.
Duração: estado simples de mau humor geralmente aca­ba em poucos dias, enquanto a mania/hipomania ou a depressão pode durar semanas ou meses.
Interferência nas atividades cotidianas da vida: os extremos no humor que ocorrem em uma pessoa com TBH podem afastá-la do trabalho, fazê-la não querer sair de casa etc.
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*0 nome da paciente diag­nosticada com TBH é fictício para preservar sua privacidade.
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Artigo originalmente publicado no APCD Jornal - Junho 2011