O
empresário Alexandre Shirata, de 39 anos, já teve a experiência de morar fora
de casa, com amigos e com uma ex-namorada, em lugares tão diferentes quanto o
Japão, Angra dos Reis (RJ) e Betim (MG). Agora, com a mulher e o filho de
quatro meses, decidiu morar de novo na casa do pai, em Belo Horizonte –e não
cogita sair de lá tão cedo.
Decisões
como a de Alexandre são comuns: adultos com mais de 30 anos, com independência
financeira, muitas vezes em um relacionamento estável, que, por opção, resolvem
continuar morando na casa dos pais.
Alexandre
lista algumas vantagens, como o conforto de morar em um apartamento espaçoso e
bem localizado, que custaria muito dinheiro se fosse adquirido hoje. Aliás, a
questão financeira pesa muito na decisão.
"Não tenho
despesas. Não me preocupo com conta nenhuma, nem IPTU, aluguel, condomínio,
telefone, internet etc". Outra vantagem que ele vê é em fazer companhia
para o pai, que estava morando sozinho e seu filho poder crescer perto do avô.
O único aspecto
negativo que ele conseguiu encontrar foi "um pouco de falta de
privacidade". Sua mulher estranhou morar com o sogro no começo, mas, com o
tempo, a também empresária Rosiane Ribeiro, de 27 anos, achou até mais seguro
estar tão perto do pai de seu marido, que é médico. "Qualquer coisa que
acontecer com o bebê nós temos o auxílio dele", diz ele.
Companheira da mãe
A autônoma Maria
Augusta da Costa Aguiar, 45, também mora com a mãe, em São Paulo, desde que tinha
27 anos, quando se separou. Na mesma casa vive o irmão, o biomédico e advogado
Paulo da Costa Aguiar, 43, que não chegou a sair de casa.
Também para eles, não
é prioridade mudar de vida nos próximos anos. "Nunca mais cogitei de sair
depois que voltei", diz Maria Augusta. "Casa de mãe é sempre gostoso,
né? Tem tudo em ordem, não precisa se preocupar com arrumação, comida, nada: já
está tudo prontinho".
Ela diz que sempre
teve um vínculo muito forte com a mãe e que as duas fazem companhia uma para a
outra. Em casa, assistem à TV e passam o tempo juntas, principalmente à noite.
Mas também costumam ir ao shopping ou jantar fora.
Segundo Maria
Augusta, muitos de seus amigos também decidiram morar com os pais. Entre os
mais próximos, lembrou-se de seis. Ela também destaca a economia dessa
situação, mesmo com todos ajudando nas despesas. "Nunca cogitei morar
sozinha. Financeiramente pesa demais. Muita gente vai morar com um amigo; eu
prefiro morar com a minha mãe".
Ela não vê problemas
com privacidade e diz que morar com a mãe não interfere, por exemplo, em seu
namoro. Mas comenta que acaba tendo de dar satisfações, que são mais comuns
quando o filho é adolescente, como dizer a que horas vai voltar para casa.
"Para a mãe, o filho nunca cresce. Você sai, chega tarde e a toda hora ela
telefona e pergunta "você vai demorar? Onde você está?"". Mas
ela garante que não se incomoda.
Autonomia versus
conforto
O psicólogo e
psicanalista Armando Colognese Jr., professor do Departamento de Formação em
Psicanálise do Instituto Sedes Sapientiae, diz que, quando a pessoa opta por
ficar com os pais, pode retardar o conhecimento, a experiência e o
amadurecimento de cuidar verdadeiramente de si. Ele acredita que a experiência
também pode ser negativa para os pais, por adiar o processo de envelhecimento.
"Eles merecem certa liberdade e tranquilidade".
A psicanalista pela
Sociedade Brasileira de Psicanálise de São Paulo Blenda de Oliveira concorda
que, do ponto de vista da autonomia, é "sempre melhor que os filhos possam
ter o lugar deles". Ela lista algumas vantagens de sair da casa dos pais,
apesar de eventuais obstáculos: a criação da própria rotina e das próprias
regras, a definição da maneira pessoal de organizar a casa, a privacidade
completa e a liberdade de chegar e sair na hora que quiser, sem ter de dar
satisfações, que são naturais quando os pais estão por perto.
"Com os filhos em casa, a gente tem uma
tendência a se meter. Porque, para os pais, os filhos vão ser sempre aqueles
com os quais se preocupam. É muito difícil eles não perguntarem se comeu, a que
horas vai chegar, se vai dormir em casa etc".
Por outro lado, ela
diz que a permanência dos filhos em casa pode proporcionar a companhia e
cuidados para os pais, que às vezes a incentivam por causa da nostalgia de
quando os filhos eram pequenos. Há, também, o caso em que os idosos necessitam
de companhia, fazendo com que a convivência seja benéfica para os dois lados.
Mas Blenda acredita que a única vantagem real, para os filhos, é a financeira.
Ela defende que os pais ajudem na preparação dos filhos para a saída,
determinando prazos e, se necessário, contribuindo durante um período de
transição.
A mão no bolso
Enquanto o filho está
na casa do pai, é melhor que contribua com as despesas da casa, na opinião de
Marcelo Guterman, mestre em economia e finanças pelo Insper (instituição de
ensino e pesquisa nas áreas de negócios e economia) e autor do blog "Dr.
Money". "Do ponto de vista estritamente financeiro, adiar a saída da
casa dos pais é sempre vantajoso", diz ele.
"Tem que ter um acordo muito claro e muito
conveniente para os dois lados", afirma Blenda. "Há uma série de
arranjos que podem ser feitos em cima da questão do poder econômico de cada um.
Da mesma forma que os pais dizem que têm direito de perguntar sobre o filho e
saber de tudo por ele estar morando na casa, o filho pode dizer que se sente no
direito de estabelecer regras porque contribui com as despesas".
Isso é o mais
comum, na análise do psiquiatra e psicanalista Elko Perissinotti, vice-diretor
do Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina
da USP. "A era do patriarcado está moribunda. Estamos na era do
'filharcado'". Ele explica: "Os filhos não querem assumir os riscos
de autodestruição semelhante aos pais –que se acabaram num emprego sem férias,
para terem suas casas e um casamento eterno. São os filhos que exigem os pais
por perto, mas numa relação utilitária: casa, comida e roupa lavada".
Para ele, os jovens
não saem da casa dos pais porque estão cada vez menos preparados para lidar com
a "vida lá fora" –muito por responsabilidade dos próprios pais, por
terem participado pouco da educação desses filhos. "Pais ausentes na
criação dos filhos prejudicam o crescimento deles".
Independentemente
de quando ou por que decidiram sair da casa dos pais ou permanecer nela, o
professor Armando Colognese acredita que o fundamental é que os dois saibam
administrar bem o espaço e a liberdade de ambos, para conviverem bem.
"Para isso se tornar mais concreto, suficiente e consistente, a
responsabilidade dos filhos na organização, nas despesas e no respeito às normas
da casa é fundamental", conclui.
Cristina Moreno de Castro do UOL, em São Paulo